Acessibilidade / Reportar erro

Obesidade versus osteoartrite: muito além da sobrecarga mecânica

Resumos

Atualmente, a obesidade é considerada o maior problema de saúde pública do mundo, já atingindo características epidêmicas, segundo a Organização Mundial da Saúde. O acúmulo excessivo de peso é o maior fator de risco, associado a diversas doenças, como diabetes mellitus tipo 2, hipertensão, dislipidemias e doenças osteometabólicas, como osteoporose e osteoartrite. A osteoartrite é a doença reumática mais prevalente, e a principal causa de incapacidade física e diminuição da qualidade de vida da população acima de 65 anos. Acomete principalmente as articulações que suportam peso, como joelhos e quadris. No entanto, juntamente com os casos de obesidade, sua prevalência vem aumentando e em outras articulações, como as das mãos. Assim, supõe-se que a influência da obesidade no desenvolvimento da osteoartrite esteja além da sobrecarga mecânica. O objetivo desta revisão foi correlacionar os possíveis mecanismos que determinam a gênese e o desenvolvimento dessas duas doenças. O aumento da massa adiposa é diretamente proporcional ao consumo exagerado de ácidos graxos saturados, responsáveis pela condição sistêmica de inflamação de baixo grau e resistência à insulina e à leptina. Em níveis elevados, a leptina assume características inflamatórias e age na cartilagem articular, desencadeando o processo inflamatório e alterando a homeostase desse tecido com consequente degeneração. Conclui-se que a obesidade é um fator de risco para a osteoartrite e que a prática de atividade física e modificações na composição da dieta podem reverter o quadro inflamatório e a resistência à leptina, atenuando a progressão ou prevenindo o surgimento da osteoartrite.

Osteoartrite; Obesidade/complicações; Inflamação; Leptina; Cartilagem articular


Obesity is currently considered a major public health problem in the world, already reaching epidemic characteristics, according to the World Health Organization. Excess weight is the major risk factor associated with various diseases, such as type 2 diabetes mellitus, hypertension, dyslipidemia and osteometabolic diseases, including osteoporosis and osteoarthritis. Osteoarthritis is the most prevalent rheumatic disease and the leading cause of physical disability and reduced quality of life of the population over 65 years. It mainly involves the joints that bear weight - knees and hips. However, along with the cases of obesity, its prevalence is increasing, and even in other joints, such as hands. Thus, it is assumed that the influence of obesity on the development of OA is beyond mechanical overload. The purpose of this review was to correlate the possible mechanisms underlying the genesis and development of these two diseases. Increased fat mass is directly proportional to excessive consumption of saturated fatty acids, responsible for systemic low-grade inflammation condition and insulin and leptin resistance. At high levels, leptin assumes inflammatory characteristics and acts in the articular cartilage, triggering the inflammatory process and changing homeostasis this tissue with consequent degeneration. We conclude that obesity is a risk factor for osteoarthritis and that physical activity and changes in diet composition can reverse the inflammatory and leptin resistance, reducing progression or preventing the onset of osteoarthritis.

Osteoarthritis; Obesity/complications; Inflammation; Leptin; Articular cartilage


INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade já assume características epidêmicas, atingindo mais de 1 bilhão de adultos no mundo. Trata-se do maior fator de risco associado a diversas doenças, como resistência à insulina e diabetes mellitus tipo 2 (DM2), hipertensão, dislipidemias e alguns tipos de câncer. Secundariamente, a obesidade está fortemente associada a uma série de distúrbios, como asma e esteato-hepatite não alcoólica, além de doenças osteometabólicas, como a osteoporose e a osteoartrite.(11. World Health Organization (WHO). Obesity and overweight [Internet]. 2013. [cited 2013 Dec 13]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
) A osteoartrite (OA) é a doença reumática osteometabólica, mais prevalente, constituindo a principal causa de incapacidade física e diminuição da qualidade de vida da população acima de 65 anos, sendo caracterizada pela degradação da cartilagem articular.(22. Sridhar MS, Jarrett CD, Xerogeanes JW, Labib SA. Obesity and symptomatic osteoarthritis of the knee. J Bone Joint Surg Br. 2012;94(4):433-40. Review.)

Historicamente, as relações feitas entre a obesidade e o desenvolvimento da OA restringiam-se às alterações biomecânicas da articulação, provocadas pelo aumento do peso corporal, levando à gênese de um processo inflamatório na cartilagem, e culminando no desenvolvimento e progressão da doença. Essas alterações ocorrem preferencialmente em articulações que suportam o peso corporal, como joelho e quadris.(33. Jiang L, Rong J, Wang Y, Hu F, Bao C, Li X, et al. The relationship between body mass index and hip osteoarthritis: a systematic review and meta-analysis. Joint Bone Spine. 2011;78(2):150-5. Review.) No entanto, juntamente do aumento da prevalência da obesidade na população mundial, houve também aumento dos casos de OA em articulações que não são responsáveis por suporte de peso, como as articulações das mãos e temporomandibulares (ATMs).(44. Kalichman L, Kobyliansky E. Hand osteoarthritis in Chuvashian population: prevalence and determinants. Rheumatol Int. 2009;30(1):85-92.) Dessa maneira, supõe-se que a influência da obesidade no desenvolvimento da OA esteja além da sobrecarga na articulação pelo aumento do índice de massa corporal (IMC).(55. Griffin TM, Fermor B, Huebner JL, Kraus VB, Rodriguiz RM, Wetsel WC, et al. Diet-induced obesity differentially regulates behavioral, biomechanical, and molecular risk factors for osteoarthritis in mice. Arthritis Res Ther. 2010;12(4):R130.)

Assim, diversos estudos têm sido desenvolvidos para desvendar os mecanismos envolvidos na relação entre obesidade e OA. O objetivo desta revisão foi agrupar as evidências mais recentes sobre os possíveis mecanismos moleculares, correlacionando as duas doenças.

Fisiopatologia da obesidade e da osteoartrite

Na obesidade, a hipertrofia do tecido adiposo aumenta a expressão e a liberação das chamadas adipocitocinas, como a interleucina (IL) 1β, IL-6, resistina, leptina e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), que são necessárias para a diferenciação celular e hematopoiese, entre outras funções. Contudo, tais funções dependem de sua concentração na circulação sanguínea. A elevação para um grau “superótimo” já é capaz de dar início ao processo inflamatório de baixo grau.(66. Salles J, Tardif N, Landrier JF, Mothe-Satney I, Guillet C, Boue-Vaysse C, et al. TNFα gene knockout differentially affects lipid deposition in liver and skeletal muscle of high-fat-diet mice. J Nutr Biochem. 2012;23(12):1685-93.,77. Carvalheira JB, Torsoni MA, Ueno M, Amaral ME, Araújo EP, Velloso LA, et al. Cross-talk between the insulin and leptin signaling systems in rat hypothalamus. Obes Res. 2005;13(1):48-57.)

Essas proteínas atingem a corrente sanguínea e alcançam o hipotálamo, no sistema nervoso central, interferindo na fina regulação exercida por ele, ao controlar a fome e o gasto energético. Esse desajuste o torna resistente aos hormônios periféricos insulina e leptina, principalmente.(88. De Souza CT, Araújo EP, Prada PO, Saad MJ, Boschero AC, Velloso LA. Short-term inhibition of peroxisome proliferator-activated receptor-gamma coactivator-1alpha expression reverses diet-induced diabetes mellitus and hepatic steatosis in mice. Diabetologia. 2005;48(9):1860-71.) Dessa maneira, o indivíduo apresenta descontrole da saciedade, aumentando a ingestão de alimentos, com consequente aumento do peso e do tecido adiposo, que, por sua vez, libera ainda mais leptina, atingindo o ponto de hiperleptinemia. Em concentrações elevadas, a leptina assume característica de cunho inflamatório. Sua estrutura apresenta homologia aos receptores das citocinas inflamatórias (IL-1 e IL-6), sendo considerada, portanto, como integrante da superfamília de citocinas.(77. Carvalheira JB, Torsoni MA, Ueno M, Amaral ME, Araújo EP, Velloso LA, et al. Cross-talk between the insulin and leptin signaling systems in rat hypothalamus. Obes Res. 2005;13(1):48-57.,99. Yaspelkis BB 3rd, Kvasha IA, Figueroa TY. High-fat feeding increases insulin receptor and IRS-1 coimmunoprecipitation with SOCS-3, IKKalpha/beta phosphorylation and decreases PI-3 kinase activity in muscle. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2009;296(6):R1709-15.)

A leptina se liga ao seu receptor (Ob-Rb), que se encontra constitutivamente associado à molécula Janus Kinase-2 (JAK-2) (Figura 1A). A união do hormônio promove dimerização do receptor (Ob-Rb) e a fosforilação em tirosina das moléculas de JAK-2, que, finalmente, catalisam a fosforilação dos receptores (Ob-Rb) em resíduos tirosina, reunindo e ativando (por meio da ação catalítica da JAK-2) proteínas da família STAT (transdutor de sinal e ativador da transcrição), particularmente a STAT-3. A IL-6, transitoriamente inflamatória,(77. Carvalheira JB, Torsoni MA, Ueno M, Amaral ME, Araújo EP, Velloso LA, et al. Cross-talk between the insulin and leptin signaling systems in rat hypothalamus. Obes Res. 2005;13(1):48-57.) agindo sobre seu receptor homólogo (GP130), ativa paralelamente as STATS pela JAK-2 (Figura 1B). Da transcrição gerada pela STAT, surge a proteína de supressão da sinalização de citocinas ou SOCS. A SOCS-3 encerra os sinais iniciados pela ativação do receptor de leptina.(77. Carvalheira JB, Torsoni MA, Ueno M, Amaral ME, Araújo EP, Velloso LA, et al. Cross-talk between the insulin and leptin signaling systems in rat hypothalamus. Obes Res. 2005;13(1):48-57.,1010. Bjørbaek C, Kahn BB. Leptin signaling in the central nervous system and the periphery. Recent Prog Horm Res. 2004;59:305-31. Review.) O TNF-α, por meio de seu receptor (TNFR1), ativa substratos intracelulares que participam do controle da transcrição de genes de reposta inflamatória. Um dos principais substratos intermediários da via de sinalização do TNF-α é a serinaquinase JNK (c-Jun N-terminal Kinase), a qual primariamente ativa, no núcleo celular, a formação do fator de transcrição dimérico ativador de proteína-1 (AP-1). AP-1, mediada por JNK, intensifica a sinalização inflamatória ao transcrever, por exemplo, genes da IL-1β, IL-6 e TNF-α. Além disso, transcreve também enzimas com capacidade de degradação dos constituintes da matriz extracelular da cartilagem (metaloproteinases − MMPs), especialmente do colágeno tipo II (Figura 1C).(1111. Dempsey PW, Doyle SE, He JQ, Cheng G. The signaling adaptors and pathways activated by TNF superfamily. Cytokine Growth Factor Rev. 2003;14(3-4):193-209. Review.) TNF-α, IL-6 e IL-1β agem por meio de vias independentes que, no entanto, convergem para pontos em comum, culminando na ativação do fator de transcrição nuclear Kappa beta (NF-kβ), que transcreve os genes das próprias citocinas inflamatórias − IL-1β, IL-6 e TNF-α, além da óxido nítrico-sintase induzida (iNOS), perpetuando o ciclo inflamatório (Figura 1D).(77. Carvalheira JB, Torsoni MA, Ueno M, Amaral ME, Araújo EP, Velloso LA, et al. Cross-talk between the insulin and leptin signaling systems in rat hypothalamus. Obes Res. 2005;13(1):48-57.,1212. Tsukumo DM, Carvalho-Filho MA, Carvalheira JB, Prada PO, Hirabara SM, Schenka AA, et al. Loss-of-function mutation in Toll-like receptor 4 prevents diet-induced obesity and insulin resistance. Diabetes. 2007;56(8):1986-98.) Outra condição responsável pelo desencadeamento da resposta inflamatória de baixo grau é o consumo exagerado de alimentos ricos em gorduras saturadas, como leite, carne e queijos, entre outros de origem animal. Os ácidos graxos saturados láurico, mirístico e palmítico contribuem para a evolução da resistência hipotalâmica à leptina e insulina, por ativarem receptores de sistema imune, integrados com o sistema metabólico. Os receptores do tipo Toll-like 4 (toll-like receptors, TLR4) (Figura 1E) tradicionalmente ativados por lipopolissacárides (LPS) bacterianos podem ser ativados também por esses ácidos graxos, mimetizando o processo infeccioso, disparando resposta pró-inflamatória.(1313. Milanski M, Degasperi G, Coope A, Morari J, Denis R, Cintra DE, et al. Saturated fatty acids produce an inflammatory response predominantly through the activation of TLR4 signaling in hypothalamus: implications for the pathogenesis of obesity. J Neurosci. 2009;29(2):359-70.) Dessa maneira, inflamação de baixo grau, uma vez instalada, é autoalimentada pela presença das citocinas produzidas e liberadas pelo próprio tecido adiposo.

Figura 1
A leptina, por meio de seu receptor ObR (A) e as vias da interleucina 6, por meio do seu receptor GP-130 (B), ativam o fator de transcrição STAT3 que, no núcleo, transcreve o gene da SOCS3, com função de suprimir as vias de sinalização da leptina. No entanto, ativa também a transcrição de metaloproteinases e agrecanases, proteínas de degradação da cartilagem. Vias de sinalização das citocinas inflamatórias: fator de necrose tumoral alfa por meio do receptor de fator de necrose tumoral (C), interleucina 1β por seu receptor interleucina 1β (D), e dos ácidos graxos saturados, que são reconhecidos pelos receptores Toll-like 4 (E). Essas vias culminam na ativação dos fatores de transcrição NF-kβ e AP-1, que transcrevem os genes de proteínas inflamatórias (interleucina 1β, interleucina 6, fator de necrose tumoral alfa, óxido nítrico-sintase induzida, entre outros)

Numa segunda etapa da doença, a resistência à insulina e à leptina é propagada aos sistemas periféricos, perpetuando o estado hiperglicêmico. Essa condição predispõe ao desenvolvimento do DM2 e também contribui para o aumento da massa adiposa e manutenção do estado inflamatório, alterando as vias de sinalizações celulares de órgãos como fígado, musculatura esquelética, pulmões, endotélio e cartilagens articulares.(88. De Souza CT, Araújo EP, Prada PO, Saad MJ, Boschero AC, Velloso LA. Short-term inhibition of peroxisome proliferator-activated receptor-gamma coactivator-1alpha expression reverses diet-induced diabetes mellitus and hepatic steatosis in mice. Diabetologia. 2005;48(9):1860-71.) Pela capacidade inflamatória adquirida pela leptina quando produzida em altas quantidades, diversos estudos relatam este como o fator inicial da gênese de outros distúrbios inflamatórios periféricos, como, por exemplo, a OA.(1414. Vuolteenaho K, Koskinen A, Moilanen T, Moilanen E. Leptin levels are increased and its negative regulators, SOCS-3 and sOb-R are decreased in obese patients with osteoarthritis: a link between obesity and osteoarthritis. Ann Rheum Dis. 2012;71(11):1912-3.)

Nesse caso, a gênese da OA estaria no processo inflamatório iniciado na cartilagem articular, como consequência do nível elevado dos componentes inflamatórios circulantes em indivíduos obesos, principalmente IL-1β e TNF-α.(1515. Griffin TM, Huebner JL, Kraus VB, Guilak F. Extreme obesity due to impaired leptin signaling in mice does not cause knee osteoarthritis. Arthritis Rheum. 2009;60(10)2935-44.

16. Louer CR, Furman BD, Huebner JL, Kraus VB, Olson SA, Guilak F. Diet-induced obesity significantly increases the severity of posttraumatic arthritis in mice. Arthritis Rheum. 2012;64(10):3220-30

17. Brunner AM, Henn CM, Drewniak EI, Lesieur-Brooks A, Machan J, Crisco JJ, et al. High dietary fat and the development of osteoarthritis in a rabbit model. Osteoarthritis Cartilage. 2012;20(6):584-92.

18. Griffin TM, Huebner JL, Kraus VB, Yan Z, Guilak F. Induction of osteoarthritis and metabolic inflammation by a very high-fat diet in mice: effects of short-term exercise. Arthritis Rheum. 2012;64(2):443-53.

19. Gierman LM, van der Ham F, Koudijs A, Wielinga PY, Kleemann R, Kooistra T, et al. Metabolic stress-induced inflammation plays a major role in the development of osteoarthritis in mice. Arthritis Rheum. 2012;64(4):1172-81.
-2020. Mooney RA, Sampson ER, Lerea J, Rosier RN, Zuscik MJ. High-fat diet accelerates progression of osteoarthritis after meniscal/ligamentous injury. Arthritis Res Ther. 2011;13(6):R198.) Dumond et al.(2121. Dumond H, Presle N, Terlain B, Mainard D, Loeuille D, Netter P, et al. Evidence for a key role of leptin in osteoarthritis. Arthritis Rheum. 2003;48(11):3118-29.) demonstraram que o nível de leptina na cartilagem e líquido sinovial de indivíduos com OA é maior quando comparado ao de indivíduos saudáveis. Na cartilagem, a leptina, associada às citocinas inflamatórias clássicas da OA, como IL-1β e TNF-α, tem função catabólica, aumentando a expressão de enzimas proteolíticas, como as MMPs 1 e 13 e as agrecanases (ADAMTS 4 e 5). Em pacientes com OA, a expressão da SOCS3 (supressor de sinalização de citocinas 3, proteína da via final de sinalização da leptina) está aumentada na cartilagem articular, mas se correlaciona positivamente com a expressão de outros genes, como a MMP-13 e a ADAMTS-5, e é inversamente relacionada com a expressão do colágeno tipo II. Portanto, a SOCS3 (supressor de sinalização de citocinas 3) regula genes envolvidos na degradação da cartilagem, enquanto diminui a expressão de colágeno tipo II.(2222. Hui W, Litherland GJ, Elias MS, Kitson GI, Cawston TE, Rowan AD, et al. Leptin produced by joint white adipose tissue induces cartilage degradation via upregulation and activation of matrix metalloproteinases. Ann Rheum Dis. 2012;71(3):455-62.

23. van de Loo FA, Veenbergen S, van den Brand B, Bennink MB, Blaney-Davidson E, Arntz OJ, et al. Enhanced suppressor of cytokine signaling 3 in arthritic cartilage dysregulates human chondrocyte function. Arthritis Rheum. 2012;64(10):3313-23.
-2424. Mara CS, Sartori AR, Duarte AS, Andrade ALL, Pedro MA, Coimbra IB. Periosteum as a source of mesenchymal stem cells: the effects of TGF- β 3 on chondrogenesis. Clinics. 2011;66(3):487-92.)

Relação entre obesidade e osteoartrite

Para tentar compreender os mecanismos envolvidos nessa relação entre obesidade e patogênese da OA, diversos estudos experimentais têm sido propostos, utilizando animais com fenótipo de obesidade e DM2 induzidos por dieta rica em gordura saturada – hiperlipídica. O desenvolvimento e a progressão da doença foram avaliados segundo critérios histológicos e moleculares. Os principais estudos e seus resultados estão no quadro 1.

Quadro 1
Principais estudos experimentais com fenótipo de obesidade e diabetes mellitus tipo 2, induzidos por dieta rica em gordura saturada (hiperlipídica), e suas relações com o surgimento e a progressão da osteoartrite

Apesar das discrepâncias entre as composições das dietas (percentagem da fração de gordura saturada – 40 a 50%); idade em que os animais foram submetidos a essa dieta (4 e 16 semanas); e também da maneira como foram obtidas as alterações osteoartríticas (espontânea ou cirurgicamente induzidas), as conclusões são similares. Há relação entre obesidade e o status inflamatório sistêmico, que, por sua vez, proporciona aos condrócitos articulares aumento na expressão das MMPs e agrecanases, com consequente redução na expressão de colágeno e proteoglicanos. Dessa maneira, ocorre desequilíbrio homeostático da cartilagem, favorecendo o início da inflamação osteoartrítica. Assim, a composição da dieta, rica em gordura, independentemente do aumento de peso e consequente sobrecarga mecânica nas articulações, predispõe ao surgimento da OA.(1515. Griffin TM, Huebner JL, Kraus VB, Guilak F. Extreme obesity due to impaired leptin signaling in mice does not cause knee osteoarthritis. Arthritis Rheum. 2009;60(10)2935-44.

16. Louer CR, Furman BD, Huebner JL, Kraus VB, Olson SA, Guilak F. Diet-induced obesity significantly increases the severity of posttraumatic arthritis in mice. Arthritis Rheum. 2012;64(10):3220-30

17. Brunner AM, Henn CM, Drewniak EI, Lesieur-Brooks A, Machan J, Crisco JJ, et al. High dietary fat and the development of osteoarthritis in a rabbit model. Osteoarthritis Cartilage. 2012;20(6):584-92.

18. Griffin TM, Huebner JL, Kraus VB, Yan Z, Guilak F. Induction of osteoarthritis and metabolic inflammation by a very high-fat diet in mice: effects of short-term exercise. Arthritis Rheum. 2012;64(2):443-53.

19. Gierman LM, van der Ham F, Koudijs A, Wielinga PY, Kleemann R, Kooistra T, et al. Metabolic stress-induced inflammation plays a major role in the development of osteoarthritis in mice. Arthritis Rheum. 2012;64(4):1172-81.

20. Mooney RA, Sampson ER, Lerea J, Rosier RN, Zuscik MJ. High-fat diet accelerates progression of osteoarthritis after meniscal/ligamentous injury. Arthritis Res Ther. 2011;13(6):R198.
-2121. Dumond H, Presle N, Terlain B, Mainard D, Loeuille D, Netter P, et al. Evidence for a key role of leptin in osteoarthritis. Arthritis Rheum. 2003;48(11):3118-29.) Também foi comum, nesses estudos, o aumento das concentrações da leptina sérica com dieta rica em gordura saturada. O aumento da adiposidade corporal, por si só, não pode ser considerado fator de risco para o desenvolvimento da OA, uma vez que animais com produção deficiente desse hormônio, mesmo sob dieta hiperlipídica e aumento de peso, não desenvolveram a doença. Isso caracteriza a importância da leptina no processo inflamatório da OA, além das conhecidas citocinas inflamatórias.(1515. Griffin TM, Huebner JL, Kraus VB, Guilak F. Extreme obesity due to impaired leptin signaling in mice does not cause knee osteoarthritis. Arthritis Rheum. 2009;60(10)2935-44.)

Para comprovar a ação inflamatória da leptina na OA, num estudo com condrócitos nasais bovinos, a leptina associou-se a IL-1β e TNF-α, aumentando a expressão das MMPs. Além disso, a leptina induz à transcrição da SOCS3, que impede que os sinais anti-inflamatórios disparados pela IL-10 sejam executados. A homologia da leptina pelos receptores da superfamília das citocinas culmina na ativação do receptor da IL-6, que é capaz de transduzir seus sinais para as vias da JNK e IkBkinase (IKK), ambas iniciando ou intensificando a ativação do NF-kβ, como dito anteriormente, responsáveis pela transcrição de genes de proteínas inflamatórias. Por esses estudos, podemos sugerir que o tecido adiposo branco (TAB) hipertrófico induz às MMPs por meio, principalmente da leptina e, dessa forma, a obesidade relaciona-se diretamente com o desencadeamento da OA.(2222. Hui W, Litherland GJ, Elias MS, Kitson GI, Cawston TE, Rowan AD, et al. Leptin produced by joint white adipose tissue induces cartilage degradation via upregulation and activation of matrix metalloproteinases. Ann Rheum Dis. 2012;71(3):455-62.)

Perspectivas de tratamentos: exercícios e dieta

A OA ainda não apresenta perspectivas de cura, e os modernos estudos utilizando células-tronco para reposição do tecido cartilaginoso encontram-se, por enquanto, distantes de serem plausíveis.(2323. van de Loo FA, Veenbergen S, van den Brand B, Bennink MB, Blaney-Davidson E, Arntz OJ, et al. Enhanced suppressor of cytokine signaling 3 in arthritic cartilage dysregulates human chondrocyte function. Arthritis Rheum. 2012;64(10):3313-23.) O tratamento tem se baseado no controle da dor, na disfunção e no controle da velocidade do processo de destruição da cartilagem, feito principalmente pela administração de medicamentos e pela prática de exercícios. No entanto, a prescrição de exercícios aos pacientes com OA é controversa. Estudos demonstram que a prática de exercícios pode prejudicar o processo de degradação da cartilagem em razão do aumento da sobrecarga mecânica,(2424. Mara CS, Sartori AR, Duarte AS, Andrade ALL, Pedro MA, Coimbra IB. Periosteum as a source of mesenchymal stem cells: the effects of TGF- β 3 on chondrogenesis. Clinics. 2011;66(3):487-92.) mas, por outro lado, evidências mostram que não existem correlações entre exercícios e OA,(2525. Wang Y, Simpson JA, Wluka AE, Teichtahl AJ, English DR, Giles GG, et al. Is physical activity a risk factor for primary knee or hip replacement due to osteoarthritis? A prospective cohort study. J Rheumatol. 2011;38(2):350-7.) ou mesmo que o exercício seja efetivo em seu tratamento.(2626. Mork PJ, Holtermann A, Nilsen TI. Effect of body mass index and physical exercise on risk of knee and hip osteoarthritis: longitudinal data from the Norwegian HUNT Study. J Epidemiol Community Health. 2012;66(8):678-83.) De qualquer forma, todos esses estudos verificaram as alterações provocadas pela sobrecarga articular. Nesta revisão, explicitamos o mecanismo da gênese da OA diretamente relacionado ao nível de leptina circulante na obesidade. Esse excesso de peso pode ser controlado e até revertido com a melhoria de hábitos alimentares e com a inclusão da prática de atividade física na rotina diária. Mesmo sob dieta rica em gordura, o exercício promove ação protetora contra a OA, desde que iniciado antes do início das lesões.(1818. Griffin TM, Huebner JL, Kraus VB, Yan Z, Guilak F. Induction of osteoarthritis and metabolic inflammation by a very high-fat diet in mice: effects of short-term exercise. Arthritis Rheum. 2012;64(2):443-53.) A sensibilidade hipotalâmica à leptina também apresentou melhora com a prática de exercícios. Isso porque o músculo esquelético libera IL-6 durante atividade física e, em nível central, a IL-6 regula o gasto energético, o apetite e composição corporal, diminuindo a inflamação e aumentando a sensibilidade à leptina.(2727. Ropelle ER, Flores MB, Cintra DE, Rocha GZ, Pauli JR, Morari J, et al. IL-6 and IL-10 anti-inflammatory activity links exercise to hypothalamic insulin and leptin sensitivity through IKKbeta and ER stress inhibition. PLoS Biol. 2010;8(8). pii: e1000465.)

Essas evidências sugerem que o controle dos parâmetros inflamatórios da obesidade poderia prevenir o surgimento da OA ou mesmo diminuir sua agressividade. Além dos exercícios, os novos hábitos alimentares visam à modificação da composição da dieta, uma vez que os ácidos graxos saturados são os principais responsáveis pela inflamação de baixo grau.

Ácidos graxos insaturados, principalmente os ômega 3 e ômega 9 demonstraram, em animais, efeitos anti-inflamatórios, ao reverterem a adiposidade corporal e a inflamação hipotalâmica induzida por dieta hiperlipídica.(2828. Cintra DE, Ropelle ER, Moraes JC, Pauli JR, Morari J, Souza CT, et al. Unsaturated fatty acids revert diet-induced hypothalamic inflammation in obesity. PLoS One. 2012;7(1):e30571.) Evidências do potencial anti-inflamatório desses ácidos graxos insaturados também foram relacionados com a OA. Em cultura de condrócitos tratados com ômega 3, houve menor expressão das agrecanases e citocinas.(2929. Curtis CL, Hughes CE, Flannery CR, Little CB, Harwood JL, Caterson B: n-3 fatty acids specifically modulate catabolic factors involved in articular cartilage degradation. J Biol Chem. 2000;275(2):721-4.)

CONCLUSÃO

A obesidade é um fator de risco para a osteoartrite e o aumento da massa adiposa é diretamente proporcional ao consumo exagerado de nutrientes, especialmente os ácidos graxos saturados, responsáveis pela condição de inflamação de baixo grau e resistência central à insulina e à leptina. Em níveis elevados, a leptina assume características inflamatórias e pode desencadear um processo inflamatório na cartilagem articular, alterando a homeostase desse tecido. A prática de atividade física e as modificações na composição da dieta, como substituição da gordura por ácidos graxos insaturados, podem reverter o quadro inflamatório e a resistência à leptina, atenuando a velocidade de progressão ou prevenindo o surgimento da osteoartrite.

REFERÊNCIAS

  • 1
    World Health Organization (WHO). Obesity and overweight [Internet]. 2013. [cited 2013 Dec 13]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/
    » http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/
  • 2
    Sridhar MS, Jarrett CD, Xerogeanes JW, Labib SA. Obesity and symptomatic osteoarthritis of the knee. J Bone Joint Surg Br. 2012;94(4):433-40. Review.
  • 3
    Jiang L, Rong J, Wang Y, Hu F, Bao C, Li X, et al. The relationship between body mass index and hip osteoarthritis: a systematic review and meta-analysis. Joint Bone Spine. 2011;78(2):150-5. Review.
  • 4
    Kalichman L, Kobyliansky E. Hand osteoarthritis in Chuvashian population: prevalence and determinants. Rheumatol Int. 2009;30(1):85-92.
  • 5
    Griffin TM, Fermor B, Huebner JL, Kraus VB, Rodriguiz RM, Wetsel WC, et al. Diet-induced obesity differentially regulates behavioral, biomechanical, and molecular risk factors for osteoarthritis in mice. Arthritis Res Ther. 2010;12(4):R130.
  • 6
    Salles J, Tardif N, Landrier JF, Mothe-Satney I, Guillet C, Boue-Vaysse C, et al. TNFα gene knockout differentially affects lipid deposition in liver and skeletal muscle of high-fat-diet mice. J Nutr Biochem. 2012;23(12):1685-93.
  • 7
    Carvalheira JB, Torsoni MA, Ueno M, Amaral ME, Araújo EP, Velloso LA, et al. Cross-talk between the insulin and leptin signaling systems in rat hypothalamus. Obes Res. 2005;13(1):48-57.
  • 8
    De Souza CT, Araújo EP, Prada PO, Saad MJ, Boschero AC, Velloso LA. Short-term inhibition of peroxisome proliferator-activated receptor-gamma coactivator-1alpha expression reverses diet-induced diabetes mellitus and hepatic steatosis in mice. Diabetologia. 2005;48(9):1860-71.
  • 9
    Yaspelkis BB 3rd, Kvasha IA, Figueroa TY. High-fat feeding increases insulin receptor and IRS-1 coimmunoprecipitation with SOCS-3, IKKalpha/beta phosphorylation and decreases PI-3 kinase activity in muscle. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2009;296(6):R1709-15.
  • 10
    Bjørbaek C, Kahn BB. Leptin signaling in the central nervous system and the periphery. Recent Prog Horm Res. 2004;59:305-31. Review.
  • 11
    Dempsey PW, Doyle SE, He JQ, Cheng G. The signaling adaptors and pathways activated by TNF superfamily. Cytokine Growth Factor Rev. 2003;14(3-4):193-209. Review.
  • 12
    Tsukumo DM, Carvalho-Filho MA, Carvalheira JB, Prada PO, Hirabara SM, Schenka AA, et al. Loss-of-function mutation in Toll-like receptor 4 prevents diet-induced obesity and insulin resistance. Diabetes. 2007;56(8):1986-98.
  • 13
    Milanski M, Degasperi G, Coope A, Morari J, Denis R, Cintra DE, et al. Saturated fatty acids produce an inflammatory response predominantly through the activation of TLR4 signaling in hypothalamus: implications for the pathogenesis of obesity. J Neurosci. 2009;29(2):359-70.
  • 14
    Vuolteenaho K, Koskinen A, Moilanen T, Moilanen E. Leptin levels are increased and its negative regulators, SOCS-3 and sOb-R are decreased in obese patients with osteoarthritis: a link between obesity and osteoarthritis. Ann Rheum Dis. 2012;71(11):1912-3.
  • 15
    Griffin TM, Huebner JL, Kraus VB, Guilak F. Extreme obesity due to impaired leptin signaling in mice does not cause knee osteoarthritis. Arthritis Rheum. 2009;60(10)2935-44.
  • 16
    Louer CR, Furman BD, Huebner JL, Kraus VB, Olson SA, Guilak F. Diet-induced obesity significantly increases the severity of posttraumatic arthritis in mice. Arthritis Rheum. 2012;64(10):3220-30
  • 17
    Brunner AM, Henn CM, Drewniak EI, Lesieur-Brooks A, Machan J, Crisco JJ, et al. High dietary fat and the development of osteoarthritis in a rabbit model. Osteoarthritis Cartilage. 2012;20(6):584-92.
  • 18
    Griffin TM, Huebner JL, Kraus VB, Yan Z, Guilak F. Induction of osteoarthritis and metabolic inflammation by a very high-fat diet in mice: effects of short-term exercise. Arthritis Rheum. 2012;64(2):443-53.
  • 19
    Gierman LM, van der Ham F, Koudijs A, Wielinga PY, Kleemann R, Kooistra T, et al. Metabolic stress-induced inflammation plays a major role in the development of osteoarthritis in mice. Arthritis Rheum. 2012;64(4):1172-81.
  • 20
    Mooney RA, Sampson ER, Lerea J, Rosier RN, Zuscik MJ. High-fat diet accelerates progression of osteoarthritis after meniscal/ligamentous injury. Arthritis Res Ther. 2011;13(6):R198.
  • 21
    Dumond H, Presle N, Terlain B, Mainard D, Loeuille D, Netter P, et al. Evidence for a key role of leptin in osteoarthritis. Arthritis Rheum. 2003;48(11):3118-29.
  • 22
    Hui W, Litherland GJ, Elias MS, Kitson GI, Cawston TE, Rowan AD, et al. Leptin produced by joint white adipose tissue induces cartilage degradation via upregulation and activation of matrix metalloproteinases. Ann Rheum Dis. 2012;71(3):455-62.
  • 23
    van de Loo FA, Veenbergen S, van den Brand B, Bennink MB, Blaney-Davidson E, Arntz OJ, et al. Enhanced suppressor of cytokine signaling 3 in arthritic cartilage dysregulates human chondrocyte function. Arthritis Rheum. 2012;64(10):3313-23.
  • 24
    Mara CS, Sartori AR, Duarte AS, Andrade ALL, Pedro MA, Coimbra IB. Periosteum as a source of mesenchymal stem cells: the effects of TGF- β 3 on chondrogenesis. Clinics. 2011;66(3):487-92.
  • 25
    Wang Y, Simpson JA, Wluka AE, Teichtahl AJ, English DR, Giles GG, et al. Is physical activity a risk factor for primary knee or hip replacement due to osteoarthritis? A prospective cohort study. J Rheumatol. 2011;38(2):350-7.
  • 26
    Mork PJ, Holtermann A, Nilsen TI. Effect of body mass index and physical exercise on risk of knee and hip osteoarthritis: longitudinal data from the Norwegian HUNT Study. J Epidemiol Community Health. 2012;66(8):678-83.
  • 27
    Ropelle ER, Flores MB, Cintra DE, Rocha GZ, Pauli JR, Morari J, et al. IL-6 and IL-10 anti-inflammatory activity links exercise to hypothalamic insulin and leptin sensitivity through IKKbeta and ER stress inhibition. PLoS Biol. 2010;8(8). pii: e1000465.
  • 28
    Cintra DE, Ropelle ER, Moraes JC, Pauli JR, Morari J, Souza CT, et al. Unsaturated fatty acids revert diet-induced hypothalamic inflammation in obesity. PLoS One. 2012;7(1):e30571.
  • 29
    Curtis CL, Hughes CE, Flannery CR, Little CB, Harwood JL, Caterson B: n-3 fatty acids specifically modulate catabolic factors involved in articular cartilage degradation. J Biol Chem. 2000;275(2):721-4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2014
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2013
  • Aceito
    13 Dez 2013
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br