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Dispnéia crônica e alterações funcionais respiratórias em ex-trabalhadores com asbestose avaliados para concessão de benefício

Resumos

INTRODUÇÃO: A dispnéia é um sintoma de difícil avaliação, principalmente nas doenças ocupacionais. OBJETIVO: Avaliar a relação entre presença e intensidade de dispnéia crônica, e sua repercussão funcional em ex-trabalhadores com asbestose na avaliação de disfunção e incapacidade. MÉTODO: Escores de dispnéia pelas escalas Medical Research Council modificada, American Medical Association de 1984 e 1993 e Baseline Dyspnea Index foram obtidos em 40 ex-trabalhadores com diagnóstico de asbestose, os quais foram também submetidos a espirometria, medidas da capacidade de difusão pulmonar do monóxido de carbono e testes de exercício cardiopulmonar incremental e submáximo. RESULTADO: Dispnéia esteve presente em 72,5% e 67,5% dos indíviduos de acordo com as escalas do Medical Research Council e American Medical Association de 1984, respectivamente e em apenas 37,5% e 31,6% dos pacientes de acordo com as escalas American Medical Association de 1.993 e Baseline Dyspnea Index. Houve melhor concordância entre as escalas Medical Research Council e American Medical Association de 1993, e American Medical Association de 1984 e American Medical Association de 1993 quando as graduações "ausente" e "leve" foram agrupadas. Não foi observada relação significativa entre dispnéia de acordo com cada uma das escalas e presença de anormalidades funcionais no repouso e/ou exercício. CONCLUSÃO: O nível de concordância entre as escalas de dispnéia varia significativamente em indivíduos com asbestose. Há falta de relação dos índices de dispnéia com variáveis que avaliam disfunção respiratória em repouso e exercício.

Asbestose; Dispnéia; Espirometria


BACKGROUND: Dyspnea is a symptom that is difficult to evaluate, especially in occupational diseases. OBJECTIVE: To evaluate the relationship between chronic dyspnea, in its varying degrees of severity, and the functional repercussions for dysfunction or incapacitation in former workers with asbestosis. METHOD: A total of 40 former workers diagnosed with asbestosis were evaluated. Dyspnea scores were determined using the modified Medical Research Council scale, the 1984 and 1993 American Medical Association scales, and the Baseline Dyspnea Index. Spirometry, measurement of diffusion capacity for carbon monoxide and cardiopulmonary exercise tests (incremental and submaximal) were also performed. RESULTS: Based on scores obtained using the Medical Research Council and 1984 American Medical Association scales, respectively, 72.5% and 67.5% of the subjects were classified as dyspneic, compared with 37.5% and 31.6%, respectively, using the 1993 American Medical Association and Baseline Dyspnea Index scales. There was greater concordance between the Medical Research Council and 1993 American Medical Association scales, as well as between the 1984 and 1993 American Medical Association scales, when the categories of "absent" and "mild" were grouped. No significant relation was found between dyspnea, as determined by each of the scales, and functional abnormalities - either at rest or during exercise. CONCLUSION: In individuals with asbestosis, the degree of concordance among the available dyspnea scales varies significantly. There is a real need for dyspnea indices that evaluate respiratory dysfunction at rest and during exercise.

Asbestosis; Dyspnea; Spirometry


ARTIGO ORIGINAL

Dispnéia crônica e alterações funcionais respiratórias em ex-trabalhadores com asbestose avaliados para concessão de benefício* * Trabalho realizado no setor de Função Pulmonar e Fisiologia Clínica do Exercício (SEFICE) da Disciplina de Pneumologia da UNIFESP-EPM Estudo parcialmente financiado pela FAPESP - Processo nº 96/10415-6

Lara M. Nápolis; Andréa Aparecida Sette (TE SBPT); Ericson Bagatin; Mário Terra Filho; Reynaldo T. Rodrigues; Jorge Issamu Kavakama; José Alberto Neder(TE SBPT); Luiz Eduardo Nery(TE SBPT)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Luiz Eduardo Nery Rua Botucatu, 740, 3ºandar CEP 04023-062 - São Paulo-SP-Brasil Tel: 55-11 5576 4238 E-mail: lenery@pneumo.epm.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A dispnéia é um sintoma de difícil avaliação, principalmente nas doenças ocupacionais.

OBJETIVO: Avaliar a relação entre presença e intensidade de dispnéia crônica, e sua repercussão funcional em ex-trabalhadores com asbestose na avaliação de disfunção e incapacidade.

MÉTODO: Escores de dispnéia pelas escalas Medical Research Council modificada, American Medical Association de 1984 e 1993 e Baseline Dyspnea Index foram obtidos em 40 ex-trabalhadores com diagnóstico de asbestose, os quais foram também submetidos a espirometria, medidas da capacidade de difusão pulmonar do monóxido de carbono e testes de exercício cardiopulmonar incremental e submáximo.

RESULTADO: Dispnéia esteve presente em 72,5% e 67,5% dos indíviduos de acordo com as escalas do Medical Research Council e American Medical Association de 1984, respectivamente e em apenas 37,5% e 31,6% dos pacientes de acordo com as escalas American Medical Association de 1.993 e Baseline Dyspnea Index. Houve melhor concordância entre as escalas Medical Research Council e American Medical Association de 1993, e American Medical Association de 1984 e American Medical Association de 1993 quando as graduações "ausente" e "leve" foram agrupadas. Não foi observada relação significativa entre dispnéia de acordo com cada uma das escalas e presença de anormalidades funcionais no repouso e/ou exercício.

CONCLUSÃO: O nível de concordância entre as escalas de dispnéia varia significativamente em indivíduos com asbestose. Há falta de relação dos índices de dispnéia com variáveis que avaliam disfunção respiratória em repouso e exercício.

Descritores: Asbestose/diagnóstico. Dispnéia/fisiopatologia. Espirometria/métodos.

INTRODUÇÃO

A asbestose é uma doença intersticial pulmonar relacionada à exposição ao asbesto. O sintoma de maior relevância clínica é a dispnéia(1,2). Este é um sintoma de difícil avaliação e mensuração, principalmente nas doenças ocupacionais, nas quais outros fatores podem confundir a sua interpretação, tais como: idade, sedentarismo, tabagismo e doenças cárdio-respiratórias associadas(3). Além disso, trabalhadores buscando a concessão de benefícios podem superestimar a dispnéia nas suas atividades cotidianas (4-6).

Diversos estudos foram realizados com o intuito de avaliar a dispnéia em trabalhadores expostos ao asbesto e sua relação com anormalidades funcionais respiratórias. Entretanto, devido à dificuldade de obtenção de dados confiáveis e à subjetividade da informação, houve grande variabilidade nos resultados (3,7-9). O grau de acometimento funcional desses pacientes também parece ser menor do que aquele observado em outras doenças intersticiais, o que torna incerta a reprodutividade fisiológica das queixas subjetivas (10,11).

Embora exista, em nosso meio, estudo prévio avaliando dispnéia crônica, em trabalhadores do fibro-cimento(12), os autores desconhecem qualquer estudo que tenha avaliado, de forma comparativa, diferentes escalas de dispnéia, além das suas repercussões funcionais em ex-trabalhadores com asbestose que buscam concessão de benefícios.

Portanto, nosso objetivo foi o de analisar a dispnéia crônica, de acordo com escalas comumente utilizadas, Medical Research Council modificada (MRC), de 1976(13), American Medical Association (AMA), 1984(14) e 1993(15) e Baseline Dyspnea Index (BDI)(16)), relacionado-a às possíveis alterações funcionais respiratórias num grupo de ex-trabalhadores com asbestose encaminhados para avaliação de disfunção e incapacidade.

MÉTODO

A população estudada compôs-se de 40 indivíduos do sexo masculino, ex-trabalhadores de indústrias de fibrocimento, localizadas no Estado de São Paulo (n = 37) e ex-trabalhadores de uma mineradora de amianto, localizada no município de Minaçu, região norte do Estado de Goiás (n = 3). Os indivíduos foram encaminhados para avaliação clínica e ocupacional com o objetivo de possível concessão de benefício. De acordo com a Classificação Internacional de Radiografias de Pneumoconioses (Organização Internacional do Trabalho, 1980)(17), 26 indivíduos apresentavam profusão 1/0 ou maior e os 14 restantes, profusão 0/0 ou 0/1. Nestes últimos, o diagnóstico de asbestose foi baseado nos achados da tomografia computadorizada de alta resolução(18,19). Acometimento pleural discreto foi evidenciado em 31 indivíduos, mas para o objetivo específico deste estudo, as mesmas não constituíram alvo de análise.

Foram considerados fatores de exclusão: distúrbios de compreensão para responder os questionários, dificuldades de cooperação com os exames propostos, distúrbios da locomoção (doenças neuromusculares, reumáticas ou ortopédicas), incapacidade de realizar os testes de função pulmonar, doença sistêmica ou pulmonar concomitante e presença de distúrbio ventilatório obstrutivo moderado a grave. Todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, que foi previamente analisado e aprovado pelo comitê de ética da instituição.

A história ocupacional foi obtida através de informações pessoais, registros na carteira de trabalho e do prontuário das empresas empregadoras: início e término das atividades laborativas, com caracterização do tipo, tempo de exposição e período de latência, que consiste o período entre o início da exposição e o dia do exame (Tabela 1). A avaliação clínica consistiu em exame físico, queixa clínica, e investigação de antecedentes mórbidos e hábitos (inclusive o tabágico, analisado em anos/maço). Foram considerados tabagistas e ex-tabagistas 28 indivíduos (70%) e não-tabagistas 12 (30%).

Para análise da presença e intensidade da dispnéia foram utilizadas quatro escalas discriminativas: MRC(13), AMA versões 1984(14) e 1993(15) e BDI(16). Os instrumentos, com exceção do BDI, foram originariamente descritos como auto-aplicáveis. Entretanto, devido às características sócio-culturais da população alvo, optou-se, neste estudo, por aplicá-los verbalmente. Para todos os indivíduos, um mesmo entrevistador fez as perguntas referentes a cada questionário em um mesmo dia. A seqüência de aplicação do questionário foi não aleatória (BDI, AMA 1984, AMA 1993 e MRC). As escalas MRC, AMA 1984 e AMA 1993 já foram traduzidas para o português, tendo sido utilizadas em outros trabalhos no nosso meio(12,20). No presente estudo, o questionário BDI foi traduzido por dois profissionais da área médica, ambos com fluência na língua inglesa. Posteriormente, houve certificação de que a re-tradução, do português para o inglês, não mostrava alterações em relação ao original. Embora nenhuma das escalas tenha sofrido processo formal de validação no Brasil, a reprodutibilidade inter-observadores da escala mais complexa (BDI) foi testada em 11 indivíduos (Teste t pareado, t = 0.53; p = 0.60). Deve-se ressaltar, ainda, que essa escala já vem sendo utilizada no nosso meio (11,21). Embora não tenha sido descrito ponto de corte para a normalidade de acordo com o BDI, neste estudo foi considerado o valor > 9, com base na experiência do serviço (11).

Todas as escalas utilizadas avaliam o domínio da magnitude da tarefa. A do BDI(16), além disso, avalia a incapacidade funcional e a magnitude do esforço. Quanto à graduação da intensidade da dispnéia, as escalas MRC(13) e AMA 1984(14) fazem a classificação como ausência de dispnéia, dispnéia leve, moderada e grave; a escala AMA 1993 (15), além destas graduações, acrescenta dispnéia muito grave; e a escala do BDI(16) avalia quanto à presença ou ausência de dispnéia.

A espirometria foi realizada no sistema Multispiro (Creative Biomedics, San Clement, CA, USA), com medidas de fluxo sendo efetuadas em pneumotacógrafo calibrado. Os indivíduos realizaram pelo menos três manobras de expiração forçada, conforme os procedimentos técnicos e critérios de aceitabilidade e reprodutibilidade recomendados pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia(22). As seguintes variáveis foram expressas em condições de temperatura corporal, pressão ambiente e saturação com vapor d'água: capacidade vital forçada, volume expirado forçado no primeiro segundo, relação entre eles, e fluxo expiratório forçado máximo entre 25% e 75% da capacidade vital forçada. Os valores foram analisados comparativamente aos previstos brasileiros de Pereira et al. (1992) (23).

A capacidade de difusão pulmonar do monóxido de carbono foi medida pela técnica modificada de Krogh (respiração única), utilizando-se um sistema computadorizado (PF-DX System, Medical Graphics Corporation, St. Paul, MN, USA). Pelo menos dois testes foram realizados, desde que a variação entre eles fosse menor do que 10% ou 3 mL CO.min-1.mmHg-1. Valores absolutos foram obtidos em condições de temperatura e pressão padrões, e de não saturação com vapor de água, e comparados com os valores teóricos brasileiros de Neder et al. (24).

Testes de exercício cardiopulmonar foram realizados em cicloergômetro de frenagem eletromagnética (CPE 2000, Medical Graphics Corp.), com variáveis de troca gasosa e ventilatórias analisadas respiração por respiração (CPX-D Cardio2 System, Medical Graphics Corp.). Inicialmente, os participantes realizavam um teste incremental até o limite máximo da tolerância, seguindo protocolo de aumento linear da carga ("rampa"). O consumo máximo de oxigênio foi o maior valor de consumo de oxigênio no pico do exercício (média de 15 segundos), tendo sido comparado com o previsto por Neder et al. para a população brasileira adulta sedentária(25). O limiar anaeróbio foi estimado não-invasivamente pelas técnicas da troca gasosa (V-slope)(26) e ventilatória(27). Após uma hora de repouso, os participantes realizaram teste de exercício na carga referente ao limiar anaeróbio: punção radial para exame gasométrico arterial (PaO2) foi realizada na condição estado-estável, isto é, entre o quinto e o sexto minutos de exercício.

Para análise do grau de concordância entre as escalas foi utilizado o teste de Kappa, que considera como níveis de concordância: 0 = ausente; 0 a 0,2 = mínima; 0,2 a 0,4 = razoável; 0,4 a 0,6 = moderada; 0,6 a 0,8 = substancial; 0,8 a 1,0 = quase perfeita(28). O teste exato de Fisher foi empregado para analisar a associação entre características de duas ou mais variáveis. O teste t de Student, para variáveis independentes, foi utilizado para comparar os valores médios das variáveis fisiológicas nos grupos de indivíduos com e sem dispnéia. Análise de variância unidirecional (ANOVA) foi empregada para comparar os valores médios das variáveis fisiológicas nas diferentes graduações de dispnéia, de acordo com cada escala. O Teste t de Student para variáveis dependentes foi utilizado para comparar os valores médios do BDI intra-observadores.(29) Assumiu-se um risco a de 5% para todos os testes (p < 0,05).

RESULTADOS

Os dados antropométricos, clínicos e funcionais da população estudada estão representados na Tabela 1. Em valores médios, as alterações funcionais respiratórias foram discretas. Numa análise individual, apenas 2 (5%) indivíduos apresentaram valores de capacidade vital forçada menores do que o limite inferior da normalidade e 10 (25%) apresentaram capacidade de difusão pulmonar do monóxido de carbono menor do que 70% do previsto.

Não foi observada associação entre profusão radiológica ou tabagismo com a presença de dispnéia nesta população (Teste exato de Fisher p > 0,05) (Tabela 2). A ocorrência de dispnéia foi semelhante de acordo com as escalas do MRC e da AMA 1984: esteve presente em 72,5% e 67,5% dos indivíduos, respectivamente (concordância "quase perfeita", teste de Kappa). Por outro lado, as escalas AMA 1993 e BDI classificaram como "dispnéicos" apenas 37,5% e 31,6% dos pacientes, respectivamente (concordância "substancial") (Tabelas 3 e 4).

Na maioria dos indivíduos com dispnéia de acordo com a escala do MRC ela foi graduada como "leve" (20/29 ou 68,9%). Por outro lado, 55,6% (15/27) e 60% (9/15) tiveram a avaliação da dispnéia como, pelo menos, "moderada" segundo as escalas da AMA 1.984 e AMA 1.993, respectivamente (Tabela 3). Desta forma, quando dispnéia "leve" foi agrupada com ausência de dispnéia, houve aumento substancial na comparabilidade entre as escalas MRC e AMA 1993 e entre as escalas AMA 1984 e AMA 1993 (Tabela 4). As características da escala BDI impediram uma análise mais abrangente no que diz respeito à graduação do sintoma.

Não houve associação significativa entre tabagismo e dispnéia analisada pelas diferentes escalas (p > 0,05). Entretanto, ao compararmos tabagistas e não-tabagistas, os valores médios de capacidade vital forçada e volume expirado forçado no primeiro segundo, considerados em porcentagem do previsto, foram significativamente menores nos indivíduos com tabagismo atual ou pregresso (teste t não pareado, p < 0,05).

Em relação às variáveis funcionais no repouso e exercício, não houve diferença estatisticamente significativa entre indivíduos com e sem dispnéia (Tabela 5), ou mesmo entre as diferentes graduações de dispnéia.

DISCUSSÃO

O presente estudo demonstrou que a presença e a graduação da dispnéia crônica variaram substancialmente de acordo com a escala específica utilizada. Os instrumentos MRC e AMA 1984 classificaram mais indivíduos como "dispnéicos" do que a AMA 1993 e o BDI. A intensidade deste sintoma também tendeu a ser maior com as escalas MRC e AMA 1984. Entretanto, houve dissociação entre a baixa freqüência dos achados funcionais objetivos e as freqüentes queixas subjetivas. Estes dados demonstram que a categorização da dispnéia crônica pode ser influenciada pela escala específica utilizada em ex-trabalhadores com asbestose. Além disso, a observada dissociação clínico-funcional sugere que tal sintoma deve ser interpretado com cautela nas avaliações ocupacionais respiratórias.

Os critérios de escolha dos instrumentos discriminativos basearam-se em sua utilização em outros trabalhos, além da facilidade operacional em sua aplicação(7,8,16,20,30). O questionário do MRC e as escalas da AMA, especificamente, são os principais instrumentos de avaliação utilizados em estudos clínicos e epidemiológicos internacionais e também em nosso meio(12,20,31). A escala BDI foi inicialmente utilizada no contexto clínico não-ocupacional(16). De fato, trata-se de uma escala mais abrangente, embora sua aplicabilidade possa ser questionável em grandes estudos populacionais.

A dispnéia é, sabidamente, o sintoma de maior relevância na avaliação das doenças intersticiais pulmonares, em especial da asbestose. Além da complexidade da avaliação e graduação, fatores confundidores prejudicam o estabelecimento da relação entre a queixa subjetiva e as alterações fisiopatológicas da doença de base(3). A avaliação da dispnéia em trabalhadores expostos ao asbesto tem sido efetuada, basicamente, através das escalas MRC e AMA 1984(8,30,32). Nestes estudos prévios, a prevalência do sintoma variou de 15% a 66%. No presente estudo, a dispnéia crônica, de acordo com essas escalas, foi mais freqüente e intensa do que a apontada pela AMA 1993 e BDI (Tabela 3). Parte substancial das diferenças parece ter ocorrido pelas discrepâncias entre os instrumentos ao separarem ausência de dispnéia e dispnéia de intensidade "leve" (Tabela 4). Entretanto, deve-se admitir que, pela própria definição da intensidade da dispnéia, as escalas não são imediatamente comparáveis.

Os resultados demonstraram que o consumo tabágico não se associou com a dispnéia por nenhuma das escalas (Tabela 2). Estes dados discordam de alguns estudos prévios que relataram relação significativa entre tabagismo e dispnéia em trabalhadores expostos(3,8,30). Entretanto, é importante ressaltar que distúrbio obstrutivo, moderado a acentuado, foi um fator de exclusão no presente estudo. Embora isto tenha reduzido a influência de co-morbidades confundidoras, doença pulmonar obstrutiva crônica e asma, por exemplo, é provável que a prevalência de dispnéia fosse maior numa amostra mais heterogênea. Também não foi observada associação das alterações radiológicas com a dispnéia, pois elas eram discretas (Tabela 2).

Do mesmo modo, não foram evidenciadas relações significativas entre dispnéia e suas graduações com alterações espirométricas, e de trocas gasosas e metabólicas, tanto no repouso quanto no exercício. Estes resultados contrastam, por exemplo, com aqueles descritos por Schwartz et al. e Brodkin et al., que descreveram associação entre dispnéia e alterações espirométricas, volumes pulmonares reduzidos e anormalidades nas trocas gasosas em trabalhadores expostos ao asbesto, com ou sem anormalidades pleuro-pulmonares(8,30). Essas diferenças podem estar relacionadas à homogeneidade funcional do grupo avaliado no presente estudo, com a maioria dos pacientes apresentando alterações leves. É também razoável supor que outras alterações fisiopatológicas não tenham sido adequadamente reveladas pelos testes funcionais utilizados. Por exemplo, pacientes com asbestose podem apresentar aumento do comando neural ventilatório, por estímulos de receptores intrapulmonares, ou mesmo, por fatores relacionados à musculatura periférica e ao sistema cardiovascular(20,33). Por outro lado, pode ter ocorrido algum grau de superestimação do sintoma no grupo de trabalhadores que buscaram a concessão de benefícios previdenciários(4-6). Apesar de a dispnéia estar associada com volumes pulmonares estáticos reduzidos(8,30), neste estudo, estes testes não foram realizados.

O presente estudo, naturalmente, apresenta diversas limitações dignas de nota. As escalas utilizadas ainda não foram formalmente validadas no Brasil, apesar de elas serem de fácil tradução, e terem sido amplamente utilizadas em estudos anteriores em nosso meio (11,12,20,21). Especificamente em relação ao BDI, entretanto, a reprodutibilidade inter-observadores foi elevada. Outra limitação potencial diz respeito à sistemática de aplicação das escalas, ou seja, no mesmo dia, e em ordem não aleatória. Finalmente, os resultados podem não ser aplicáveis para populações com maior acometimento funcional ou para trabalhadores que não estejam buscando a concessão de benefícios.

Conclui-se que a concordância entre a presença e a graduação da dispnéia crônica podem variar substancialmente de acordo com a escala específica utilizada em ex-trabalhadores com asbestose. Esses resultados, quando considerados à luz da falta de correlação com dados funcionais objetivos, sugerem que a valorização desses índices de dispnéia crônica deve ser interpretada com restrições em avaliações de disfunção e incapacidade na asbestose.

AGRADECIMENTOS

Os autores são gratos à Dra. Sandra Mara Lima Guimarães pela realização de grande parte dos testes de exercício cardiorrespiratório, a Luiza Hashimoto pela realização dos testes funcionais e a Vera Lúcia Rigoni pela colaboração nos testes de exercício.

Recebido para publicação, em 5/10/03.

Aprovado após revisão em 17/6/04.

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  • Endereço para correspondência
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    Trabalho realizado no setor de Função Pulmonar e Fisiologia Clínica do Exercício (SEFICE) da Disciplina de Pneumologia da UNIFESP-EPM
    Estudo parcialmente financiado pela FAPESP - Processo nº 96/10415-6
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Abr 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Recebido
      05 Out 2003
    • Aceito
      17 Jun 2004
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